"Abre as pernas, encosta no carro..."
Nos barracos da cidade
Ninguém mais tem ilusão
No poder da autoridade
De tomar a decisão
E o poder da autoridade
Se pode, não faz questão
Se faz questão, não consegue
Enfrentar o tubarão
Ô-ô-ô, ô-ô
Gente estúpida
Ô-ô-ô, ô-ô
Gente hipócrita
O governador promete
Mas o sistema diz não
Os lucros são muito grandes
Mas ninguém quer abrir mão
Mesmo uma pequena parte
Já seria a solução
Mas a usura dessa gente
Já virou um aleijão
Cheguei em casa. É quase uma da manhã. Fui autuado no caminho. Deve ter sido burrice, minha, só pode ter sido. Mas passei um semáforo vermelho, coisa que ninguém faz em São Paulo à noite, e fui pego. Verdade que tinha uma viatura da PM parada ali perto. Mas mesmo assim, senti medo de parar, coisa que raramente se sente em São Paulo à noite. Não reclamei da multa. O sujeito é pago ("não importa quanto eu ganho, mas eu ganho para isso", ele ia me dizer mais tarde) e deve cumprir com o dever.
Mas eu acho que se eu tenho uma missão ela deve ser a de fazer as pessoas pensarem. E eu disse ao policial, enquanto ele preenchia a multa, cheio de dúvidas e dificuldade, que queria fazer uma pergunta "com todo o respeito". E fiz. Perguntei se como civil, andando no carro dele, ele costuma repeitar todos os sinais. Desconversou, como resposta. Insisti, porque perguntar é do meu feitio. E ele disse que com uma viatura policial ao lado, nunca.
Contei que tenho medo de parar no vermelho. Não para me livrar da multa, mas para fazê-lo pensar. E contei que já fui assaltado oito vezes em São Paulo. E contei que um conhecido meu, quando tínhamos, ele e eu, dezenove anos, foi morto com dois tiros no Morumbi à luz do dia porque o ladrão que ia levar o carro dele achou que era uma arma que ele ia sacar quando, nervoso, tentava desatar o cinto de segurança. E contei que não confio na pol?cia, nem no tal "respeito" que ela tem junto à população. E lembrei dos ataques às delegacias ano passado...
Ouvi dele algumas coisas nobres. Mas que não me tiram o medo e não vão me fazer parar em semáforos vermelhos à noite. Mas que, no mínimo, me sensibilizaram -porque sei que temos uma polícia mal paga e despreparada. O policial, evitando olhar nos meus olhos, disse que rasgaria a farda e viraria bóia-fria se fizessem algo contra mim naquele cruzamento. E que arriscaria a vida dele para salvar a minha, caso alguém tentasse me assaltar.
Quando cheguei em casa, com a multa no bolso, uma viatura estava quase na porta do prédio. Na parede ao lado, três rapazes encostados com braços e pernas abertas. Passei devagar, olhando, e entrei na garagem. Do 18º andar, ouvi barulhos e fui olhar. Outros três rapazes caminhavam na rua sem notar a viatura. Um deles, vândalo, começou a chutar um orelhão. Parou aos gritos de uma policial. Os três então entraram em um Mercedes. E foram embora, sem nenhum "arranhão".
Fique com as conclusões. Se eu tenho uma missão ela deve ser a de fazer as pessoas pensarem.
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