19.1.04

Papas na língua
Aprendi hoje uma lição que todo jornalista deveria saber. Para entender o que vai pela mente de um povo há que se ouvir suas crianças. Eu conversei hoje algumas crianças, árabes e judias, de 13 anos, e ouvi coisas de sensacionais a surpreendentes, de assutadoras a animadoras. Aprendi a lição na marra. Não me arrependo.

Fui acompanhar de perto um projeto do Givat Haviva, do qual falei aqui outro dia, de juntar alunos de várias idades em escolas árabes e judaicas de Israel. Se vai funcionar, se vai ajudar a diminuir o preconceito e a derrubar paradigmas, ninguém sabe. Nem eu, nem as crianças que eu ouvi, nem mesmo os profissionais que se dedicam a isso. Mas a semente está sendo plantada.

Ouvir crianças é importante porque elas não têm papas na língua, como se diz. Falam tudo, o que pensam, sem barreiras, sem medo, sem inibição e com sentimento. É verdade, eu bem notei hoje, que crianças judias falam mais e têm mais o que dizer do que as crianças árabes. Pode ser uma questão cultural, de educação -mas também pode ser só recato. Duvido desta última possibiidade, contudo.

Cercado de crianças, com bloco e caneta na mão, ouvi coisas como uma que marcou muito. Elas também me entrevistaram, é verdade. Criança é curiosa por definição, também. E perguntaram se eu sou judeu. E uma delas, lá no meio, uma das mais falantes, perguntou se eu acredito em D-s. Eu disse que sim. Disse "betach!", na verdade, que quer dizer "claro!".

Ela respondeu, com a simplicidade própria de uma adolescente -e uma adolescente israelense não tem nada de diferente de uma adolescente brasileira (a não ser a mania de celular na mão e da calcinha sempre aparecendo)- que ela não. Perguntei a razão. E ela me derrubou: "com tantas crianças inocentes morrendo aqui, como pode existir um deus"?

Agora preciso transformar tudo isso e tudo que vi ontem na sede do Givat Haviva -não foi pouco, passei o dia todo lá- em um texto de quatro páginas para a revista Possível. A verdade é que eu poderia escrever um livro a respeito!

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