21.1.04

Cigano
Como é que você pode/ viver indo embora/ sem se despedaçar? (ZD)

Sabe quando você está em um avião, numa longa viagem? Você não está nem cá, nem lá. Já saiu, mas ainda não chegou. O relógio não dá a hora certa, ficou parado no horário da origem ou já foi ajustado para o do destino... Assim eu me sinto! Como um cigano, que não faz parte de nenhum lugar. "Estou" cigano.

Explico: estou, aqui em Israel, em casa. Sinto-me assim, pertinente. Passeio pelas ruas com a tranqüilidade de quem as conhece não como um turista, que vaga olhando tudo com espanto e surpresa, mas com a certeza de saber por onde vou, embora o idioma, a sinalização, as pessoas etc sejam estranhos. Só que não faço parte daqui. Tratam-me, claro, como turista que sou -ainda que eu me esforce para não parecer!

Em um mês, pouco mais, volto pro Brasil. E de lá já não me sinto parte -sinto dizer. Ao contrário do que acontece aqui, ando nas ruas de São Paulo assustado, ameaçado, amedrontado. Na medida do possível 'tá dando pra se viver, na cidade de São Paulo... Mas, é muita ironia, tenho que voltar pra lá. E não quero, não quero mesmo. Mas preciso, eu sei. E volto, claro.

Mas estou em um avião. A caminho de Israel, numa viagem que mais parece de navio (de tapete voador, talvez...). Já saí, em pensamento, do Brasil. Faz tempo. Lá, quem me conhece, sabe que eu quero partir. Aqui, idem, sabem que eu quero vir. Mas sabem também que eu não cheguei... "Estou" cigano. Estou em um avião que não chega.

E amanhã faço 25 anos...

Se você vai por muito tempo,/ você nunca volta.../
Você retorna, você contorna,/ mas não tem volta.../ Volta...

(Zélia Duncan)

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